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Exortação Pastoral | Dicastério para o Clero

 
 Prot. N.º 009/2025

EXORTAÇÃO PASTORAL
NOMEN EIUS ERIT IOANNES
DO   DICASTÉRIO   PARA   O   CLERO

SOBRE A INTEGRIDADE NA IDENTIDADE DOS MINISTROS ORDENADOS E O COMBATE ÀS ESTRUTURAS FICTÍCIAS E EXCLUSIVISTAS

INTRODUÇÃO

1. A Igreja de Cristo, nossa mãe e mestra, é chamada a ser, em todos os tempos e circunstâncias, reflexo fiel da luz que vem de Deus. Em meio aos desafios e complexidades da missão evangelizadora, somos convidados a recordar que o Senhor nos chama pelo nome, imprimindo em nós uma identidade que é, ao mesmo tempo, pessoal e comunitária, verdadeira e livre de duplicidades. É nesta luz que meditamos sobre o gesto evangélico de Zacarias e Isabel, que, em obediência à vontade divina, confirmaram: “João é o seu nome!” (cf. Lc 1,63).

2. Ao proclamarem o nome dado por Deus, rejeitando as pressões humanas para seguir convenções sociais de seus próximos, eles testemunham que a verdade é um atributo fundamental de quem se põe ao serviço do Senhor. Esse testemunho mostra-nos, de forma particular para os ministros ordenados, que, como pastores do Povo de Deus, devem ser ícones de autenticidade, coerência e fidelidade.

3. Todavia, nos tempos atuais, temos observado práticas preocupantes que comprometem a missão sacerdotal e diaconal. Referimo-nos ao uso de sobrenomes falsos, fictícios ou adotados indevidamente por sacerdotes e diáconos, bem como à formação de “famílias clericais”, que se constituem como guetos excludentes e desviam a vivência do ministério ordenado do seu propósito essencial: a evangelização.

4. A presente exortação, portanto, visa iluminar tais práticas à luz do Evangelho, convidando cada ministro a refletir profundamente sobre a coerência de sua identidade e a renovação de seu compromisso com a comunhão e a missão.

CAPÍTULO I

A VERDADE COMO FUNDAMENTO
DA VIDA E DO MINISTÉRIO:

5. A verdade é um dos pilares sobre os quais repousa o ministério dos sacerdotes e diáconos. Aquele que foi chamado a ser ministro de Cristo deve refletir, em sua própria identidade, a clareza e a integridade do Evangelho que proclama. A prática, cada vez mais difundida, de adotar sobrenomes falsos, fictícios ou que não correspondem à identidade civil legítima, representa uma grave afronta à verdade, à autenticidade pessoal e à transparência que o ministério ordenado exige.

6. Do ponto de vista psicológico, a identidade pessoal é um elemento fundamental no desenvolvimento da individualidade humana e na construção de relações saudáveis e profícua com os outros. No campo pastoral, a integridade da identidade é imprescindível para que o ministro ordenado exerça sua função com autenticidade. O uso de sobrenomes artificiais ou não correspondentes à realidade da pessoa fragiliza o processo de autocompreensão e a aceitação da sua vocação. A busca pela aceitação por meio de uma identidade fictícia não só compromete a verdade, mas também afasta o sacerdote ou diácono de seu próprio eu, gerando um distanciamento emocional e psíquico que prejudica o ministério pastoral.

7. A Igreja, enquanto sacramento universal de salvação, não pode tolerar que seus ministros, que são chamados a serem “sal da terra e luz do mundo” (cf. Mt 5,13-14), vivam sob o véu da duplicidade real-virtual ou da aparência. A adoção de sobrenomes estrangeiros ou artificiais cria sérias barreiras. Este comportamento desvia o foco da verdadeira vocação sacerdotal e diaconal, que é ser instrumento de Cristo.

8. Portanto, exortamos todos os ministros ordenados a se absterem de tais práticas, recordando que o nome que carregamos expressa não somente nossa identidade enquanto pessoas, mas também o compromisso de sermos autênticos e transparentes no serviço ao Senhor.

CAPÍTULO II

AS “FAMÍLIAS CLERICAIS” E O
PERIGO DO EXCLUSIVISMO:

9. Com profunda preocupação, também observa-se em alguns contextos eclesiais a formação de estruturas artificiais, comumente denominadas “famílias clericais”. Esses agrupamentos, baseados em afinidades pessoais ou em vínculos fictícios, como o uso de sobrenomes comuns entre os membros, constituem um desvio inaceitável da fraternidade presbiteral e diaconal, ferindo a comunhão eclesial.

10. Tais “famílias” frequentemente se configuram como guetos excludentes, isolando os seus membros da vida pastoral da Igreja e promovendo um espírito de favoritismo e dependência emocional. Ao invés de edificarem a unidade, essas estruturas criam divisões, favorecem práticas de autopreservação e desviam o foco do principal objetivo do ministério ordenado e de nossa Comunidade Católica: a evangelização.

11. Em uma análise psicológica, esses grupos podem ser compreendidos também como estruturas de identidade coletiva, onde as relações interindividuais se tornam desproporcionais e voltadas para o fechamento em torno de um grupo fechado. A psicologia social observa que, quando as pessoas se identificam excessivamente com um grupo específico, o senso de pertencimento pode se tornar exclusivo e criar uma dinâmica de “nós contra eles”.

12. Mais grave ainda é o impacto que tais grupos têm sobre as comunidades diocesanas. Quando um membro dessas “famílias” clericais é transferido ou deixa o ministério por qualquer motivo, muitas vezes ocorre um movimento coletivo de saída ou desestabilização, o que evidencia a fragilidade e o caráter artificial dessas estruturas. Esses comportamentos prejudicam a unidade da Igreja e comprometem gravemente a eficácia da missão evangelizadora.

13. Por isso, o Dicastério para o Clero conclama os prelados diocesanos e os superiores gerais dos diversos Institutos de Vida Consagrada ou das Sociedades de Vida Apostólica a combaterem com vigor qualquer iniciativa que promova ou incentive tais práticas, garantindo que a fraternidade clerical seja vivida em sua autenticidade, conforme os princípios evangélicos.

CAPÍTULO III

A COMUNHÃO COMO TESTEMUNHO DA
MISSÃO UNIVERSAL DA IGREJA:

14. A vocação sacerdotal e diaconal é, por sua natureza, um chamado à comunhão. A Igreja é una, santa, católica e apostólica, e os ministros ordenados são chamados a refletir essas características em suas vidas. A verdadeira fraternidade clerical não se baseia em interesses particulares ou laços fictícios, mas na participação comum na missão de Cristo (cf. N.º 6).

15. No plano psicológico, a fraternidade autêntica se fundamenta no respeito pela identidade individual de cada membro e na aceitação plena da diversidade dentro de uma comunidade. A comunhão verdadeira exige a capacidade de acolher o outro em sua individualidade, sem a imposição de normas externas ou exclusivistas que prejudiquem a construção de uma unidade saudável e inclusiva.

16. Essa comunhão - entre os ministros - deve ser expressão de uma fraternidade universal que perpassa as diferenças culturais, políticas, sociais e pessoais de cada indivíduo. Qualquer forma de exclusivismo ou isolamento clerical contradiz a natureza missionária da Igreja e obscurece o testemunho do Evangelho.

17. Portanto, é dever de cada sacerdote e diácono trabalhar em favor da unidade, promovendo uma vida comunitária aberta e inclusiva, orientada pelo serviço ao Povo de Deus.

CAPÍTULO IV

O CHAMADO À CONVERSÃO E AO
COMPROMISSO À VERDADE:

18. Reafirmamos, com autoridade apostólica, pastoral e jurídica, a necessidade urgente de um retorno à fidelidade plena à identidade que recebemos de Deus e de nossos pais. O uso de sobrenomes falsos ou de “identidades clericais artificiais” não tem e não deve ter lugar na vida do ministro ordenado e deve ser imediatamente abandonado.

19. Essa conversão à verdade representa um processo de aceitação de quem somos e de nossa vocação autêntica. O reconhecimento da própria identidade, sem máscaras ou disfarces, é um processo de maturação psicológica e espiritual. Quando os ministros ordenados se distanciam da verdade, não só prejudicam sua própria saúde emocional e psicológica, como também a eficácia de sua missão enquanto fiel católico.

20. Novamente, conclamamos os prelados diocesanos e os superiores gerais dos diversos Institutos de Vida Consagrada ou das Sociedades de Vida Apostólica a supervisionarem, com diligência, a conduta dos ministros sob sua responsabilidade, garantindo que sejam promovidos a verdade, a autenticidade e a comunhão. Além disso, encorajamos que sejam oferecidos momentos de formação contínua para reforçar nos sacerdotes e diáconos a consciência de sua identidade e missão.

CAPÍTULO V

DISPOSIÇÕES PRÁTICAS E VIGILÂNCIA:

21. Em consonância com a presente exortação, o Dicastério para o Clero recomenda, portanto, as seguintes ações:

I. a elaboração de diretrizes diocesanas que regulamentem o uso de nomes e sobrenomes pelos ministros ordenados, assegurando a correspondência com os registros civis e eclesiásticos;

II. a promoção de encontros formativos - formações permanentes - que abordem a vivência da fraternidade clerical e a rejeição de estruturas excludentes (famílias);

III. o monitoramento atento, por parte dos prelados diocesanos e superiores gerais, para identificar e corrigir práticas que promovam as tais “famílias clericais” ou outros desvios da comunhão eclesial.

CONCLUSÃO

22. Queridos irmãos no sacerdócio e no diaconato, nossa vocação nos coloca como servidores de Cristo, que é “o Caminho, a Verdade e a Vida” (cf. Jo 14,6). Esse chamado nos desafia quotidianamente a viver com autenticidade, rejeitando qualquer forma de falsidade ou exclusivismo que comprometa a unidade e a eficácia de nossa missão.

23. A construção de “falsas identidades” ou a adesão a grupos que privilegiam interesses pessoais em detrimento da comunhão eclesial não somente desvirtua o ministério recebido, mas também representa uma ruptura com o testemunho de Cristo, que nos enviou para edificar e não dividir; para incluir e não excluir.

24. A verdade de nossa identidade não está nas aparências ou nos vínculos artificiais, mas na entrega sincera ao serviço do povo de Deus - vós mesmos - presente em nossa Comunidade de fé. Precisamos redescobrir a força transformadora de sermos conhecidos pelo nome que o Senhor nos deu, abandonando máscaras e estruturas fictícias que nos afastam da essência de nossa vocação.

25. Exortamos, assim, a todos os ministros ordenados a abraçar um caminho de conversão contínua, que passe pela renúncia a tudo o que é falso, ilusório e artificial e pela busca incessante de uma comunhão autêntica. Somos pastores chamados a refletir a luz de Cristo, e isso exige que vivamos nossa vocação com integridade, fidelidade e humildade.

26. Por fim, confiemos à intercessão de São João Batista, aquele que viveu plenamente sua missão como precursor, a graça de sermos ministros verdadeiros, firmes na identidade que recebemos de Deus e comprometidos com a evangelização. Que a Virgem Maria, Mãe dos Sacerdotes, nos inspire e sustente em nossa caminhada.

Roma locuta, causa finita.

Dado na Sede dos Escritórios do Dicastério para o Clero,
aos 14 dias do mês de Janeiro de 2025.


                                     
 Jonathan B. Godoy 
Praefectus
  
 Henrique A. Gänswein
Archiepiscopus Urbis Salviae