Prot. N.º 14/2024
Cidade
do Vaticano, 24 de abril de 2024.
A todos vós, irmãos no episcopado.
“Deus
eterno e todo-poderoso, conduzi-nos à comunhão
das
alegrias celestes, para que a fragilidade do rebanho
chegue aonde
a precedeu a fortaleza do pastor, Jesus Cristo”
(cf. Coleta,
Dom. do Bom Pastor, ano B)
1. Vivendo ainda
estas colocações evangélicas que expressam Cristo identificando-se como Bom Pastor
e observando as inúmeras fragilidades humanas que nos incapacitam, senti que
era de bom grado que me dispusesse a pedir a inspiração do Espírito Santo para
que lavrasse esta carta. Não escrevo por vaidade e nem por deliberação de meu
orgulho, mas sim para que minhas palavras servissem de bom grado para os vossos
corações. Todas estas palavras foram escritas do fundo do meu coração e
transpostas pela ação da mente, que acredito fielmente que foram iluminadas
pela ação divina. Nada do que está aqui contido foi escrito por outra inteligência.
Nada do que direi é novidade, principalmente para aquele que vive aspirando as
exortações dos pontífices da Igreja, principalmente daquele que foi o primeiro,
São Pedro. A sua primeira carta no seu quinto capítulo nos é muito importante,
mesmo que nosso ministério não seja factum[1],
mas sim um serviço baseado no que é factum.
2. Este
múnus episcopal, mesmo que não seja factum, ainda traz em seu sentido aspirações
e ações que se assemelham às aspirações e ações do ministério episcopal na
realidade. Não trazemos a verdadeira unção do Espírito Santo na ordenação
episcopal ao qual somos sujeitos, no entanto, este nosso ministério é um
enraizamento daquela mesma unção que trazemos em nosso batismo e afirmamos na
confirmação do Crisma. Nós trazemos conosco o Espírito que nos foi dado como em
Pentecostes, através dos sacramentos reais. No entanto, o múnus episcopal é
aquele para o qual pessoas que ouvem e praticam o que o Espírito fala. O bispo,
neste areópago, deve sempre estar sob a escuta d’Ele e, ouvindo-O, deve agir
por Ele. Nesse sentido, esta carta será uma reflexão que vos exorta ao caminho
do Bom Pastor – não exorta por si mesma, mas pela Tradição e pelas Sagradas
Escrituras.
3. Antes,
permitam-me prepará-los. Escutar o Espírito é uma tarefa de silenciamento. Leiam
esta carta tirando de todo o vosso coração aquilo que vos impedem de escutar a
Boa Nova; desfaçam-se dos preconceitos e das imaginações. Claro que aquele que
vos escreve nem é teólogo, nem tampouco um doutor da Igreja, mas somente um
filósofo. No entanto, o que vos falarei aqui não é filosofia, mas é uma
linguagem teológica e moral que trabalha a conduta episcopal de maneira que
todos entendam o que o Senhor pede a nós. Nesse sentido, não quero dizer que sou
profeta, nem tampouco um mestre, mas quero dirigi-los ao Caminho certo. Sou humano
e tenho meus inúmeros defeitos como todos, no entanto isto não me impede de
silenciar-me e me dispor a ouvir o que o Espírito me suscita a dizer. Sou um de
todos, mas, nesse viés, trago-vos o que o Senhor me indaga e corrige para que,
curado, possa lhes mostrar também a cura. Deixem ser guiados pelas simples
palavras desta carta e eu lhes garanto que tirarão bons frutos.
4. Primeiramente
ouçamos o que nos exorta o apóstolo Pedro. Diz o primeiro pontífice:
Faço uma
admoestação aos presbíteros que estão entre vocês, eu que sou presbítero como
eles, testemunha dos sofrimentos de Cristo e participante da glória que vai ser
revelada: cuidem do rebanho de Deus que lhes foi confiado, não por imposição,
mas de livre e espontânea vontade, como Deus o quer; não por causa de lucro
sujo, mas com generosidade; não como donos daqueles que lhes foram confiados,
mas como modelos para o rebanho. Desse modo, quando aparecer o supremo Pastor,
vocês receberão a coroa de glória que não murcha. (1Pd 5,1-4)
Tendo absorvido o que foi lido,
a partir de agora, nos debrucemos com estas palavras, trazendo para nós uma
simples reflexão sobre esta exortação de São Pedro. Deixemo-nos ser guiados
pelo Espírito Santo para que seja eficaz a nossa reflexão.
PRÓLOGO
5.
Primeiramente, distingo esta carta como um reflexo desta admoestação de São
Pedro. O pontífice falava para os presbíteros daquela inicial Igreja, reunida
num pequeno número de pessoas, no entanto, presbyterum (do grego, πρεσβύτερος),
refere-se àqueles que tinham uma posição de anciãos, de administradores das
primeiras comunidades. Somente mais para frente surge o termo episkopos,
que é “aquele que supervisiona”. Nesse sentido, São Pedro não admoesta somente
aos padres, mas a todo o sacerdote, quer no presbiterato, quer na sua plenitude.
6. Diz
ainda: “sou presbítero como eles, testemunha dos sofrimentos de Cristo e participante
da glória que vai ser revelada”. Ou seja, quem nos fala é aquele que é
testemunha do que disse Cristo e do que Ele sofreu, não é somente um ancião,
mas é a pedra que o Senhor escolheu para edificar sua Igreja (cf. Mt 16,18).
Ele havia recebido este nome justamente para isto, para ser rocha, para ser
coluna da Santa Igreja, instituída por Cristo. Outrossim, Pedro ainda fala que
é “participante da glória que vai ser revelada”, da qual iremos fazer a menção
nos últimos parágrafos desta carta.
PARTE I
O MINISTÉRIO
DE SERVIÇO
“Cuidem
do rebanho de Deus que lhes foi confiado, não por imposição, mas de livre e
espontânea vontade, como Deus o quer”
7. “Cuidem
do rebanho de Deus que lhes foi confiado” (cf. 1Pd 5,2), diz o apóstolo. Pedro
nos exorta a um cuidado, mas um cuidado sem propriedade, sem posse. Não somos
donos do rebanho, as ovelhas não são nossas; o rebanho é de Deus. Portanto, o
nosso serviço é como um empréstimo: não é um trabalho próprio, mas um serviço. Eis
a palavra-chave: serviço. De origem possivelmente etrusca, comunicado
pelo latim servitius, esta palavra deriva de servus, que
significa “servo”. Nesse sentido, o bispo é servo de Deus e, consequentemente,
do rebanho que Ele o confia.
8. No
entanto, se o bispo é servo, por que ele manda? Ora, irmãos, o bispo não pode
mandar sem a presciência divina, e este é o cerne para entender que o bispo não
manda no rebanho porque ele não é de sua posse, mas de Deus. Assim como o
subgerente não pode mandar nos operários, mas só o pode fazer com a concessão
do gerente, assim também é o serviço episcopal. Aqui se destaca a humildade em
se identificar como servo, para que o múnus episcopal não seja um artifício de
glória, mas seja um serviço vocacional.
9. Ainda
prossegue Pedro: “não por imposição, mas de livre e espontânea vontade, como Deus
o quer” (cf. 1Pd 5,2). O apóstolo aqui, afirma o que Deus quer de nós – quer solicitude.
Advinda do latim Sollicitare (“agitar, excitar”, de sollus,
“inteiro, total”, mais citus, “rápido, presto”), a palavra solicitude
significa cumprir da melhor forma possível um pedido ou uma solicitação. Portanto,
afirmo: o serviço episcopal não é obrigação, mas é uma entrega solícita, uma
doação. Se o fazemos somente por obrigação não somos nada mais que inúteis,
pois o que caracteriza se o servo é bom não é se cumpre o trabalho, mas se o
faz bem e com zelo, se faz de tudo para que seja de bom grado.
PARTE II
A GENEROSIDADE
“Não por
causa de lucro sujo, mas com generosidade”
10. Vemos,
agora, o destrinchar da admoestação de Pedro. Diz-nos que devemos cuidar do
rebanho “não por causa de lucro sujo, mas com generosidade” (cf. 1Pd 5,2). Aqui
não queria refletir sobre o âmbito do dinheiro, pois não estamos numa realidade
monetária. No entanto, queria falar a vós, caríssimos irmãos, sobre algo que
também é um lucro sujo, uma torpe ganância[2].
Existem vários tipos de ganância,
mas – a que diria – mais presente nesta realidade em que servimos é a
autopromoção, a busca pelo brilho, pela evidência, para que seja notado.
Devo-vos, irmãos, exortar-vos, em nome de Cristo: o cristão não brilha, mas
reluz. O cristão que brilha é um impostor, – com toda a veemência – é um
anticristo. O cristão que busca a sua autopromoção não é profeta, mas é um
desgraçado. O profeta é aquele que, como João Batista, diminua-se para que faça
crescer a imagem de Cristo (cf. Jo 3,30). É uma lâmpada, é luz, mas não de luz
própria, e sim da luz de Cristo (cf. Oração do Ano Jubilar). Afinal, essa é
nossa missão, fazer reluzir, pelo nosso testemunho, a luz da Salvação, que é
Cristo, o Senhor.
11. Nesse
sentido, vemos o que diz a Escritura neste último domingo:
O bom
pastor dá a vida por suas ovelhas. O mercenário, que não é pastor e não é
dono das ovelhas, vê o lobo chegar, abandona as ovelhas e foge, e o lobo as
ataca e dispersa. Pois ele é apenas um mercenário e não se importa com as
ovelhas. (cf. Jo 10, 11-13)
O mercenário é justamente este,
que busca este lucro sujo, que busca esta autopromoção por sua própria
ganância. Quando chega o lobo – aqui, figura das tempestades, das adversidades,
dos problemas – o mercenário foge e abandona as ovelhas porque não se importa
com elas (cf. Jo 10,13).
12. E o
remédio para esta torpe ganância é a generosidade. Generosidade é a
virtude de ser generoso em dar, muitas vezes em dar-nos como presente. É uma
doação total de si mesmo para entender que este serviço é voluntário e é
reflexo daquela mesma doação de Jesus. Além do mais, esta generosidade sempre acompanha
a humildade, pois “quando o povo percebe a humildade em seu pastor, vive
intensamente as suas aspirações e desejos. O povo começa a deixar-se guiar sem
medo, pois vê que o coração de seu pastor é caridade e humildade: eis o bom
pastor” (cf. dec. Pasces Oves Meas “PO”, 21). Ou seja, generosidade gera generosidade
e é isso o que faz o bispo ser um bom pastor: primeiro deve separar-se da torpe
ganância da autopromoção, para, enfim, doar-se generosamente ao rebanho lhe
confiado. Além disso, a generosidade requer também caridade, o bispo deve doar-se
sem sequer pensar em receber nada em troca a não ser o próprio Cristo.
PARTE
III
O
TESTEMUNHO
“Não
como donos daqueles que lhes foram confiados, mas como modelos para o rebanho”
13. Aqui,
novamente aparece a ideia do serviço episcopal como um empréstimo, no
entanto, neste fragmento está sendo exortada uma das características mais
fortes do cristão – o testemunho. Diz o apóstolo que devemos cuidar do
rebanho “não como donos daqueles que nos foram confiados, mas como modelos”
(cf. 1Pd 5,3). Aquele que é modelo é também testemunho; o modelo do pastor se
dá no seu testemunho de cristão. Aquele que é bom pastor, também suscita aos
outros a bondade pastoral. Outrora dizia São Paulo a Timóteo:
quanto a
você mesmo, seja um modelo na palavra, na conduta, no amor, na fé, na pureza.
[...] Cuide bem dessas coisas e persevere nelas, a fim de que o seu progresso
fique manifesto diante de todos (cf. 1Tm 4,12.15).
Ou seja, o testemunho do bispo é
este: que pela palavra e sua conduta fique manifesta a sua integralidade, e que,
sendo modelo no amor, na fé e na pureza, seja testemunho da luz de Cristo, que
é a nossa fé, que é puro e que é Amor.
14. Uma das coisas que destrói este testemunho com eficácia, tornando mal o exemplo do bispo é a hipocrisia. “Vejamos bem: no múnus episcopal, muitas vezes somos tentados a pregar e não praticar o que pregamos – eis a hipocrisia. Como bispos, nós não podemos deixar que essa hipocrisia nos invada, pois ela, pouco a pouco, anestesia a dor do pecado e corrompe o coração. Não sejamos hipócritas, mas compassivos e de coração manso e humilde, assim como o Cristo” (cf. PO, 21). Nesse sentido, a fim de resguardarmos da hipocrisia, façamos o nosso diário exame de consciência, pois a chave para derrotar este mal é conhecendo a si mesmo.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
“Desse
modo, quando aparecer o supremo Pastor, vocês receberão a coroa de glória que
não murcha”
15. Prosseguindo,
diz São Pedro: “Desse modo, quando aparecer o supremo Pastor, vocês receberão a
coroa de glória que não murcha” (cf. 1Pd 5,4). Nesse sentido, o nosso serviço,
de forma generosa, deve agir sem nada esperar, pois o prêmio é esta coroa
imarcescível da glória. Mas que glória é esta? É a elevação daqueles que se
fizeram pequenos; a exaltação dos humildes; a vitória da cruz. Tudo isso
acontecerá na vinda do supremo Pastor, na vinda do dono do rebanho. Quando
Cristo levantar-se, em sua glória, para tomar de volta totalmente a guarda de
seu rebanho, dará a coroa desta glória aos que zelaram por suas ovelhas e aos
mercenários e aos ladrões que deixaram as ovelhas aos lobos irão sofrer em seu
próprio lucro sujo e por sua torpe ganância morrerão.
16. Portanto,
caríssimos irmãos, vós sois chamados a serem bons pastores segundo o coração do
Bom Pastor. Não caiam na tentação gananciosa da autopromoção, não sejam
hipócritas, não se achem donos das ovelhas como os mercenários, mas sejam generosos,
sejam humildes, sejam modelos como o Bom Pastor. Muitas das feridas que a Igreja
no Minecraft sofre é o aparecimento destes mercenários, destes ladrões que
pensam que o episcopado é um ministério de realeza, mas se enganam, pois é
ministério de serviço.
17. Vós,
irmãos, como São Paulo, não vos envergonheis da evangelização “porque não me
envergonho do evangelho, pois é o poder de Deus para a salvação de todo aquele
que crê” (cf. 1Rm 1,16). Afinal, chama-nos Jesus: “Ide por todo o mundo e
pregai o Evangelho a toda criatura” (cf. Mc 16,15).
18. Neste areópago
digital, que tem como objetivo cerne a evangelização, praticai o Evangelho não
só por vossas palavras, mas pela vossa conduta. Não pensais que, por causa do
vosso múnus, sois maior do que os outros, mas façais-vos pequenos, porque é na
pequenez que Cristo demonstra a sua grandeza.
In Cor Iesu, com estima,