RECOMENDAÇÃO PASTORAL
SERVORUM CARITATIS
DO DICASTÉRIO PARA OS BISPOS
SOBRE O BISPO,
O SERVO DA CARIDADE
Prot. N.º 30/2024
30 de outubro de 2024,
Cidade do Vaticano.
“Servos da Caridade”
I. Reconhecendo a Falta de Unidade
Somos chamados a uma profunda conversão pessoal e comunitária. O Papa Francisco, em sua Encíclica Evangelii Gaudium (EG 99), afirma: “Como é triste constatar que, mesmo entre pessoas que se dizem profundamente crentes, há rivalidades, invejas, ressentimentos”. A rivalidade é um veneno que corrói a unidade entre nós, bispos, e enfraquece a comunhão da Igreja. O Senhor nos exorta a sermos “um só corpo e um só espírito” (Ef 4, 4), mas a desunião gerada pela falta de humildade e de transparência compromete nossa fidelidade a Cristo.
A raiz de muitos dos conflitos é o orgulho. A tentação de colocarmo-nos acima dos outros, de querer prevalecer, de impor nossa vontade, nos leva a cair em uma lógica de poder que não reflete o espírito de serviço que nos é
exigido. O próprio Cristo nos dá o exemplo ao lavar os pés dos seus discípulos (Jo 13, 14-15), ensinando-nos que a verdadeira autoridade é o serviço humilde. Devemos, portanto, fazer um exame de consciência: onde permitimos que o orgulho obscurecesse nosso ministério?
II. Autoridade como Serviço e Não como Poder
A autoridade episcopal foi confiada a cada um de nós não para ser instrumento de controle, mas para servir ao povo de Deus. Como recorda o Papa Francisco, devemos ser “pastores com o cheiro das ovelhas”, pois,
segundo ele, o verdadeiro líder é aquele que está disposto a caminhar com seu povo e a dar a vida por ele (Evangelii Gaudium, 24). Esta é uma vocação de proximidade e de solicitude, que exige de nós uma profunda humildade e um coração dócil.
No entanto, muitas vezes nos deixamos levar por uma visão autoritária de nosso ministério, distanciando-nos das pessoas e tornando-nos inacessíveis. Em Gaudete et Exsultate (GE 114), o Papa Francisco recorda que a liderança eclesial não deve ser “um espetáculo” nem uma busca por prestígio. Nossa missão é estar entre as pessoas, especialmente as mais vulneráveis, como servidores atentos às suas necessidades espirituais e materiais.
III. Combate ao Escândalo das Divisões
As divisões internas não são apenas um problema de convivência, mas constituem um verdadeiro escândalo. Como nos adverte o Papa Francisco na Encíclica Fratelli Tutti (FT 8): “A história está dando sinais de um retrocesso”. Se, como bispos, formos incapazes de viver uma fraternidade verdadeira, como poderemos testemunhar a unidade da Igreja e o amor de Cristo ao mundo?
O desejo de poder, o ciúme, a desconfiança e as manobras políticas corroem nossa unidade e enfraquecem nosso testemunho. A Igreja é chamada a ser sinal de unidade para um mundo dividido, mas não poderemos cumprir essa missão se permanecermos divididos. Cada bispo deve examinar-se e perguntar: o que estou fazendo para construir a unidade? Estou disposto a perdoar, a ouvir, a abrir-me ao diálogo, ou permaneço fechado em minhas próprias ideias?
IV. O Pecado das Fofocas e Detratações
O Papa Francisco é enfático ao denunciar a prática da fofoca como um grande mal que assola a Igreja. Em Gaudete et Exsultate (GE 115), ele afirma: “O diabo é o grande fofoqueiro, que anda a semear discórdias e ruínas”. As fofocas, murmurações e intrigas geram desconfiança, mágoas e ressentimentos, corroendo a fraternidade e impedindo o florescimento da verdadeira caridade entre nós.
Como bispos, temos a responsabilidade de ser exemplos de respeito e discrição, conscientes de que nossas palavras têm o poder de edificar ou destruir. O uso imprudente da palavra e o recurso constante às críticas e murmurações revelam uma falta de caridade e um coração ainda preso às ambições pessoais. O Senhor nos chama a usar nossa voz para abençoar e edificar, e não para dividir e ferir.
V. A Caridade como Identidade Episcopal
Em Laudato Si’ (LS 231), o Papa Francisco nos recorda que “O amor, cheio de pequenos gestos de cuidado mútuo, é também civil e político, e se manifesta em todas as ações que procuram construir um mundo melhor”. A caridade não é uma simples virtude moral; ela é a essência de nossa identidade cristã e a alma de nosso ministério episcopal.
Somos chamados a ser modelos de caridade em todos os aspectos de nossa vida, desde as decisões pastorais até os pequenos gestos de acolhimento e cuidado para com nossos irmãos e irmãs. Nossa vocação episcopal só será
verdadeiramente frutuosa se for enraizada na caridade, que é a “vinculum perfectionis” (Col 3, 14), o vínculo perfeito que une tudo e dá sentido à nossa missão.
Conclusão: O Caminho da Conversão
Neste contexto de crise, apelamos a uma conversão genuína e sincera de todos os membros do Sacro Colégio Episcopal. Precisamos redescobrir o valor da humildade, da escuta, da renúncia e do serviço. O apelo à conversão é um chamado a voltar para o essencial, para o Evangelho, que nos ensina a grandeza de servir e não de ser servido.
Rogamos ao Espírito Santo que nos ilumine e nos conceda a graça de sermos instrumentos de unidade e de caridade em meio ao povo de Deus. Que nossa vida episcopal possa ser um testemunho autêntico de amor, de fraternidade e de serviço, à semelhança de Cristo, o Bom Pastor.
Concluímos esta carta dirigindo-nos a Maria, Mãe da Igreja e modelo de humildade e serviço. Pedimos a sua intercessão e proteção para que possamos ser, em nosso ministério episcopal, verdadeiros “Servos da Caridade”, comprometidos com a unidade, o serviço e a missão de Cristo no mundo.Et ego
✠ Ryan Dias Cardeal ALCÂNTARA
Arcebispo Metropolitano do Rio de Janeiro