O PERDÃO VERDADEIRO PARA A UNIDADE VERDADEIRA
Destino-me, com
amor, aos meus filhos
e aos que se
dispersaram do rebanho.
Aos que são líderes
de cismas
e aos que foram
levados para longe.
1. Deus é uno e
nós, semelhantes a Ele, somos chamados também a uma unidade. Nesse sentido, por
rumores de rompimentos e evasões de padres da nossa comunidade, parece-me
importante lhes escrever esta pequena carta sobre a unidade cristã. Sabemos que
muitas pessoas não estão aqui por serviço, mas por carreira, e por causa disso,
quando não sobem na vida por seus crimes (cf. Sl 51,9), tentam se elevar
separando-se do eixo evangelizador de nossa comunidade. Já houve muitos
problemas de cismas em nossa comunidade e, por esse motivo, temos autoridade
para falar dessas infrações com zelo e caridade. E, por tal caridade, resolvo falar-vos
e tratar convosco sobre a natureza do cisma e o motivo de tal incidência.
2. Esta carta está
endereçada aos membros de nossa comunidade, aos que estão em comunidades que
foram criadas a partir de um cisma e para aquelas pessoas que estão “em cima do
muro” – convidadas a sair de uma para entrar em outra. Além disso, esta carta
também terá um certo teor filosófico. Iremos pensar e argumentar sobre o cisma
a fim de resolver os problemas de forma lógica. Serão apresentadas as questões,
depois os problemas advindos delas, consequentemente a argumentação da verdade
e, por fim, a resolução do problema.
3. Em primeiro
lugar, antes de iniciar toda a argumentação sobre o caso, devo conceituar o que
é cisma. Apoiando-se então no que ensinou tantos papas da Igreja no mundo real,
cisma é aquela separação de homens que, ainda que
mantenham a fé intacta, recusam a obediência ao Sumo Pontífice e se separam da
unidade da Igreja[1].
PARTE
I
A NATUREZA
4. No primeiro
momento, discutamos sobre a natureza do cisma. Descubramos o que move esta
incidência e o que faz com que ela não seja a melhor opção perante as
dificuldades que enfrentamos.
5. Primeira questão: Se
somos todos católicos porque é um mal a separação de comunidades, sendo que
continuaremos afirmando a nossa religião católica? – Sabemos que todos os que estão aqui no propósito de fazerem
apostolados e comunidades são católicos (e isso não podemos negar). No entanto,
a questão não advém das comunidades em si, mas da motivação que leva ao
cisma como uma “criação de nova comunidade”.
7. Primeiro problema: A motivação. O maior problema na natureza do
cisma advém de sua motivação. Ou seja, o que leva um grupo a cismar,
engendrando outra comunidade ou apostolado. Dentre as motivações, a mais decorrente
é a busca por um reconhecimento que não chegou a existir. Porque seus trabalhos
não foram reconhecidos pelo bispo diocesano ou outro superior, alguns podem
pensar em se separar da comunidade. Outra motivação é a busca por cargos mais
elevados na hierarquia da comunidade, que é também, de certa forma,
influenciada pela primeira motivação. Uma outra motivação são as intrigas ou
discussões dentro do ambiente da comunidade, que fazem com que muitos pensem
que o melhor caminho é juntar os mais próximos e fazer, com eles, outra
comunidade que seria uma “utopia de paz e amizade”. No entanto, não podemos nos
esquecer que há outros que não tem motivações, mas são levados a acreditar no
cisma como uma solução por uma argumentação sutil, mas maléfica. Lembrem-se que
o que faz um ato ser pecado está intimamente ligado à intenção. Nesse sentido,
os membros da comunidade que fazem e planejam os cismas são os verdadeiros infratores
do erro. Aqueles que entram noutras comunidades sem o conhecimento de que foram
advindas d’algum cisma, não incorrem no mesmo erro.
8. Primeira argumentação: Nenhum problema é resolvido com fuga. A fuga é
oriunda das ações do mal. Sabemos que cismar é um ato de fuga (cismar é
fugir) e, por isso, como toda fuga faz mal ao espírito do homem, o cisma
regride o nosso espírito ao medo. Apoiando-se nas Sagradas Escrituras, nos
lembremos que o “mercenário, que
não é pastor e a quem as ovelhas não pertencem, vê o lobo chegar, abandona as
ovelhas e foge; e o lobo as arrebata e dispersa” (Jo 10,11-12). Ou seja, quando um pastor dessa comunidade se torna
mercenário, ele abandona o campo e as ovelhas, deixando-as ao léu. Quando chega
o lobo, aqui significando o problema, a angústia, as dificuldades ou a
adversidade, o mercenário foge para longe porque sente-se em perigo. Nesse
sentido, devemos todos ter, perante as dificuldades, uma atitude de pastor. Um
pastor que não tenha medo dos problemas, mas que, por temor de Deus, seja firme
e corajoso para enfrentar as tormentas.
9. Resolução para o
primeiro problema: Perseverar. Perseverar capacita o pastor aos moldes
do Bom Pastor. Sem perseverança a água nunca poderia perfurar a pedra e nem a
chuva poderia encher uma barragem. Sem perseverança o Cristão é inconstante e
não consegue evoluir no Amor, pois o Amor é constante: ama sempre. Nesse
sentido, a perseverança é o melhor caminho para resolver as nossas
dificuldades. Imagine se Deus resolvesse desistir de nós – com certeza
estaríamos condenados ao inferno. Mas Deus persiste no Amor e assim nos ama.
Por isso, quando vier a aflição, persista. Ninguém crescerá e aprenderá com as
aflições sem persistir. Afinal, ninguém de nós foi salvo pela fuga, mas pela
persistência do Amor. Portanto, não é a fuga, a evasão, a renúncia à realidade,
mas a paciência no suportar e no andar para a frente, a virtude fundamental do
cristão[2].
E, para perseverar, é necessário pedir a Deus o dom da fortaleza, pois é ela a
virtude moral que dá segurança nas dificuldades e constância na busca do bem.
Ela fortalece a resolução de resistir às tentações e de superar os obstáculos
na vida moral[3].
Se houver algum caso em que seu superior agiu errado, persista e fale com o
Papa. Se teu bispo te corrige sob a verdade, aceita com devoção a correção. Se
você é bispo e se sente mal perante os irmãos, lembra-te que teu vínculo está
ligado a mim e aos sucessores desta cátedra petrina. Persevera e caminha junto
a mim. Será difícil para um papa mudar a atitude dos bispos e fazer reinar a
caridade se muitos desistem pelas dificuldades.
PARTE II
O MAL CONFUNDE E DISPERSA
10. Entendamos, a
seguir, o que faz com que o cisma seja de essência má, a fim de podermos
conhecer a verdade que habita por trás dos fatores. Sabemos que muitos ainda
não entendem o porquê. Muitos inocentes são levados na maré da separação por
não conhecerem a essência verdadeira do cisma.
11. Segunda questão: Por
que cismar é mal se Cristo nos pede para ir ao mundo inteiro? – Caríssimos,
nesta segunda questão, observamos uma coisa comum. Algo que se parece com o que
vimos diariamente na Igreja no mundo real. Ora, se a separação fosse uma
alternativa para uma melhor evangelização, então as inúmeras denominações
protestantes estariam fazendo o certo, enquanto a Igreja, sendo una, santa,
católica e apostólica, estaria completamente errada. Jesus Cristo dividiu sim
os seus discípulos em grupo, mas eles agiam num único Espírito, em torno da
única Igreja de Cristo.
12. Segundo problema: Ir
ao mundo inteiro requer sempre unidade. Como foi dito acima, Jesus envia os
seus discípulos dois a dois. Lembremo-nos que onde estão dois ou três reunidos
em nome de Cristo, Ele estará em seu meio (cf. Mt 18,20). Logo, utilizando de
silogismo, se Cristo os envia dois a dois (primeira premissa) e se, onde
estão dois ou mais, Cristo está no meio deles (segunda premissa), portanto,
Cristo é o que os une (conclusão). Cristo envia-os e com eles também é
enviado. No entanto, Cristo não está presente nessa cisão. Quando Ele envia
seus discípulos, envia-os com espírito de unidade eclesial. Todos,
posteriormente, sobre a custódia de Pedro, primeiro papa. Uma coisa é nos
espalharmos, outra é nos intrigarmos em cisão. Na natureza do cisma, quando se
é criado, não está o desejo de se espalhar pelo mundo, mas de unicamente se
separar dos outros, como atitude de fuga.
13. Segunda
argumentação: Uma comunidade engendrada de um espírito divisor, se finda em
divisão. Com esta frase não quero profetizar a divisão de ninguém, mas
somente dizer que, aquilo que fez com que vocês saíssem, torna-se provável de
existir (e ainda com mais veemência) para onde vocês fugirem. Fugir de uma
comunidade por um problema criando outra comunidade faz com que esta última
nasça de um erro, de um problema. E, quando uma comunidade está alicerçada numa
má estrutura, é bem provável que corroa por dentro. Tudo, enfim, advém da
natureza.
14. Resolução para o
primeiro problema: Perseverar na humildade. Reconhecer a origem má da
natureza dos cismas é uma atitude de humildade. Apesar de ter sido de origem maléfica,
o cisma pode dar, através de pessoas boas, frutos bons. No entanto, deve-se ter
a humildade de compreender que toda atitude separatista é, por origem, má. Na
humildade deve-se buscar, ao menos, estar em comunhão com aquela de onde saiu,
se ainda não for possível o retorno. A humildade nos ajuda a reconhecer o que
fizemos e perceber a presença caótica do mal.
PARTE
III
A ORIGEM DAS MOTIVAÇÕES
15. Noutro sentido,
precisamos reconhecer a origem das motivações. Reconhecer a fonte do problema
que desemboca numa separação cismática. Sabendo disso, devemos afirmar que o
mal não advém do nada, mas da corrupção daquilo que é bom, da criatura de Deus.
Há coisas boas que são corrompidas e, por essa corrupção, engendram o caos que,
por sua vez, procede a desunião que, por fim, desemboca num cisma.
16. Terceira questão: Qual
a origem da motivação do espírito cismático? – Pensemos, então na raiz do
problema. Afinal, é arrancando o mal pela raiz que resolveremos o problema. No
entanto, diante do que percebo na nossa comunidade, há uma origem de tudo. Há
uma coisa que gera tudo isso e que, para resolver o problema, exigiria de nós
uma mudança.
17. Terceiro problema: O
ambiente. Em primeiro lugar, pensemos na parábola do joio e do trigo. Lá,
naquele campo, cresce o trigo, mas também o joio. O joio não surge tão somente
por causa da presença do trigo, mas nasce porque o solo lhe é favorável. Observando
isso, percebemos então que o problema, na verdade, está no ambiente onde nasce
o trigo e o joio. Trazendo isso para a concretude, o problema está no ambiente
em que vivemos.
18. Terceira
argumentação: Infelizmente, certas vezes, o nosso ambiente favorece a
desunião. Sejam os que exercem liderança ou aqueles que querem exercer,
muitas vezes, agem de forma anticristã com os outros. Por isso devemos pensar:
o que faz alguém deixar essa comunidade para unir-se a um cisma? Muitas vezes,
ingenuamente, confiam que lá eles terão um lugar longe dessas intrigas, fofocas
e calúnias por parte dos irmãos, e distantes do autoritarismo, da grosseria e
da apatia de seus superiores. Todas essas coisas geram uma grande motivação
para deixar este solo para buscar a paz em outro. Nesse sentido, devemos mudar.
Mudar a nossa forma de agir. Configurar-nos a Cristo. Sabemos que no cisma isso
também haverá e, por isso, devemos dar exemplo. Dar testemunho de bons
pastores, de bons irmãos.
19. Resolução ao terceiro
problema: Perseverar na humildade, buscando a cura. A mudança começa
dentro de nós. Apoiando-se no que dizia o beato João Paulo I, se quisermos
mudar o ambiente que vivemos com resolução, não podemos buscar um Gandhi que
cuida com as massas, mas com um Jesus, que faz a revolução dentro de cada um de
nós. Portanto, se somos verdadeiramente cristãos, devemos nos propor à mudança,
e só podemos mudar se escolhermos, na nossa livre-escolha, a própria mudança. Transfigurar-nos
ao Bom Pastor para estabelecermos, nas nossas relações, a virtude da caridade,
que é fraternidade, que é amizade, que é unidade, mas transpassa tudo. Devemos
mudar o ambiente para que o joio não cresça e não cause dano ao trigo.
PARTE
IV
A CURA DO MAL
20. Sabemos de onde sai
o joio e de onde brota o trigo: do ambiente. E, dessa forma, sabemos de onde
saem as coisas más e as boas dessa comunidade: do ambiente. Se o ambiente
desfavorece a união, gerará separação; se pratica o amor, gerará a unidade; se
pratica o farisaísmo, gerará a falsidade e a hipocrisia; se pratica a verdade, favorecerá
o amor sincero.
21. Como, então, curar
estas feridas? Jesus nos ensina. Ao contar a parábola do joio e do trigo, Jesus
diz que é necessário que o joio cresça com o trigo para que, amadurecidos, sejam
fáceis de distinguir e separar. Ou seja, o melhor caminho para a cura do cisma é
a paciência. A paciência tudo alcança (Santa Tereza d’Ávila). Não uma paciência
de passividade, mas uma paciência de quem esperança. Esperançar é diferente de
esperar: esperançar demanda de nós um esforço, um esforço na oração e no amor. Nesse
sentido, há três passos para a cura dos cismas: primeiro, o diálogo fraterno;
segundo, a sinceridade recíproca; terceiro, o perdão.
22. Primeiro, devemos
dialogar. O diálogo encurta a distância que o cisma gerou e nos faz próximos
como verdadeiros irmãos. Nenhuma cura entre pessoas é feita à distância, mas
sim na aproximação. É ver, compadecer-se e cuidar. Devemos deixar de lado o que
nos separa e focar naquilo que nos une: o próprio Cristo. É somente através
dele que podemos nos reconciliar.
23. Depois de nos
aproximar no diálogo, busquemos ser sinceros um com o outro. Isso implica em mostrar
as feridas, os problemas, como também as alegrias, os bons frutos. Quando agimos
na sinceridade, vemos as feridas de cada um e, só as vendo, podemos curá-las.
24. E, por fim,
praticar o perdão. O perdão é um processo contínuo e não somente uma palavra. Perdoar
custa muito mais que falar “eu te perdoo”; custa mais que escrever uma carta de
anexação de uma comunidade à outra. Escrever o perdão no papel é importante,
mas deve ser feito depois de que o perdão seja assinado no coração de cada um.
E o perdão cura. Cura quem perdoa e quem é perdoado; cura o ferido, mas também
quem fere. Perdoar é uma das mais belas atitudes de quem ama e, por isso, é a
melhor opção.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
25. Que, entre nós,
seja assim. Busquemos o perdão enquanto amamos o próximo. Perseveremos na humildade,
buscando a cura, como irmãos. Afinal, somos todos irmãos e irmãs (cf. Mt
23,8).
26. De minha parte, não
esperem que fique frio com os cismas, porque, infelizmente, não vou. Eu quero
unidade, eu quero fraternidade, eu quero amor entre os irmãos! Tudo isso, para
que, um dia, eu possa repetir: vejam, como se amam! (Cf. Idem, XXXIX,
7, pg. 139)
27. Que Maria nos ajude
nesse caminho de unidade, a fim de que, amparados por sua intercessão, vivamos
o amor pelo Amor. A fraternidade pela Caridade. Que, enfim, “todos sejam um”
(cf. Jo 17,21). Que seja Deus o nosso último fim.
Palácio Apostólico, Vaticano, 20 de outubro de 2024.