Prot. N.º 032/2024
SOBRE O APÊNDICE DO
EVANGELHO DE SÃO JOÃO
DA NOSSA COMUNIDADE
PRÓLOGO
1. Naquela
praia, Pedro, sem esperança, havia desistido de tudo. “Eu vou pescar”, disse
Pedro e, subindo ao barco, os que estavam com ele também foram (cf. Jo 21,3). O
apóstolo escolhido por Cristo para ser o primeiro Papa havia tornado a ser o
mesmo pescador de antes. Mas esqueceu-se dos seus antigos costumes; trabalhou a
noite inteira, mas não conseguiu pescar ao menos um peixe.
Ah, pobre Pedro... Esqueceu-se
que sem Cristo tu não és mais o mesmo pescador? Sem Cristo nem tu, nem nós
somos nada e nada conseguiremos fazer!
A CEGUEIRA
DO PECADO
2. E, então,
Jesus à margem chega (cf. Jo 21,4). No entanto, Pedro não o reconhece. A desesperança,
a incredulidade e o desespero o cega da forma mais conturbada. Estando em
pecado, tendo negado o próprio Senhor, Pedro não consegue reconhecer
Cristo.
3. Ora, irmãos,
também nós, quando estamos em pecado, é quase que impossível reconhecer a
graça, no entanto, ela superabunda (cf. Rm 5,20). Muitas vezes, nós olhamos
muito para nós mesmos, e isto nos atrapalha em nosso pastoreio. Quantas vezes o
pecado faz com que nós olhemos somente para a ferida e nunca a cura? Por isso,
é necessário deixar que o Senhor toque as nossas feridas, pois anestesia não
cura. Éfata! Abramos os nossos olhos, então, para ver o Senhor.
A AÇÃO
MISERICORDIOSA DE DEUS PARA CONOSCO
4. O Senhor
pede alimento: “Filhos, será que vocês têm alguma coisa para comer?”. O Pão da
Vida pede alimento a um pescador da Galileia; Jesus vai ao pecador como se
precisasse do pecador. Eis o amor de Deus, do Deus que se faz pequeno,
minúsculo, para poder chegar à nossa estatura e nos levantar. Então, Pedro
responde à pergunta, dizendo não ter nada (cf. Jo 21,5). Como pode aquele que caminhava
com Deus, que acompanhava-o em seus milagres e em suas curas dizer que não tem
nada?
5. Jesus
pede para jogar a rede do lado direito. Ainda restava algo em Pedro – a obediência.
Por obediência, Pedro muda sua perspectiva e joga direito a rede. E eis o
milagre. A rede enche de certa forma que fica impossível de levantá-la. Então
João diz a Pedro: “É o Senhor” (cf. Jo 21,7) e o Papa, imediatamente, veste-se
novamente com o traje - o traje de festa (cf. Mt 22,12), se comprometendo totalmente
ao Senhor e, então, avança para dentro das águas a fim de chegar à margem.
6. Nesse
sentido, o Senhor é misericórdia quando, tantas vezes em nossa vida estamos
necessitando do seu amor. Deus é sempre misericórdia. No entanto, para vencer
nossas limitações e fragilidades devemos abrir, escancarar o nosso coração. Não
são os nossos próprios esforços que nos aproximam do Céu, mas a nossa
intimidade com o Senhor.
A UNIDADE
ENTRE DEUS E A IGREJA
7. Jesus
havia preparado brasas, uma fogueira. Esta fogueira tem o fogo da cura. Pedro,
aquele que outrora havia negado três vezes Jesus em torno de uma fogueira,
agora é chamado a confirmar três vezes a sua fé diante também de uma fogueira. Isto significa que o Espírito de Deus está sempre ao nosso lado, nos piores e nos melhores momentos de nossa vida, Ele nunca nos desampara.
8. Os discípulos traziam a rede. Mas como? Não estavam eles, todos juntos, tentando trazer e não conseguiram? Porque, então, quando Pedro afastou-se deles, eles conseguiram? Ora, quando o Papa, Pedro, está perto do Senhor, ouvindo-O, a Igreja inteira consegue levar, unida, os mais pesados fardos. E como, logo após, quando o Senhor pede peixes, Pedro consegue trazer sozinho a rede com todos os seus 153 peixes? (cf. Jo 21,11) Ora, caríssimos, esta é a força da Igreja, quando está unida à Deus! Este é o Espírito que Ele nos promete; que nos dá forças para seguir andando, unidos, a fim de testemunhar a fortaleza do Senhor.
9. Nesse sentido, Deus está sempre ao nosso lado e sempre nos chama a um "permanecer n'Ele" (cf. Jo 15,4). O Senhor sempre está no mesmo lugar, sempre está na nossa praia, na nossa vida, nas nossas relações; o que devemos fazer é reconhecer este Espírito que nos ampara e caminhar juntos a fim de permanecer no Caminho certo, que é o próprio Senhor (cf. Jo 14,6). E como reconhecer o Senhor? Simples; Deus está em ti. Não está longe, mas está dentro, como dizia Santo Agostinho. Ele está dentro de ti e de teus irmãos e se revela através de nós.
A LIDERANÇA
DA COMUNIDADE SE BASEIA NO AMOR
10. Sabemos,
então, que o Senhor estava alí para curar os corações. O coração de Pedro
estava perturbado e desacreditado desde as suas negações (cf. Jo 18,18.25-27).
Então, Jesus começa a restaurar o coração de Pedro – “Simão, filho de João, você
me ama mais do que estes outros?”. Aqui se é importante destacar que, no Evangelho
segundo João, o apóstolo, escrevendo em grego, utiliza dois conceitos para
retratar o verbo amar. São eles philos – de amor-amizade – e ágape
– de amor-divino. Na primeira vez, Jesus pergunta usando ágape, e Pedro,
em sua sinceridade, responde em philos – “Sim, Senhor, tu sabes que sou
teu amigo” (cf. Jo 21,15). E então, Jesus pede: “alimenta as minhas ovelhas”
(cf. Jo 21,15).
11. Na
segunda vez, acontece o mesmo. Jesus pergunta em ágape e Pedro responde,
novamente, em philos. No entanto, na terceira vez, Cristo diminui o
termo, utilizando philos – “Simão, filho de João, você é meu amigo?” – e
Pedro, triste porque havia entendido, responde e confirma – “Senhor, tu conheces
tudo, e sabes que eu sou teu amigo” (cf. Jo 21,17). É a honestidade de Pedro
que faz com que Cristo venha ao seu encontro, abraçar e redimir seu coração.
Com Deus nunca podemos ser falsos, porque Ele nos conhece mais do que ninguém.
O Senhor nos convida, em nosso ministério, portanto, a deixar que o amor seja a
base da nossa liderança, porque, afinal, foi assim até com o primeiro Papa.
12. Aqui, pode ser lembrada a admoestação de Pedro, quando fala aos presbíteros do seu tempo (cf. 1Pd 5). Lá, Pedro dá os conselhos para um ministério rico e eficaz segundo o coração do Bom Pastor. Outrora havia feito uma carta, chamada Plenitudo Sacerdotalis que faz uma reflexão interessante sobre este trecho da primeira carta de São Pedro. No entanto, se não puderem lê-la, o importante seria que todos entendêssemos o seguinte: «prossegue Pedro: “não por imposição, mas de livre e espontânea vontade, como Deus o quer” (cf. 1Pd 5,2). O apóstolo aqui, afirma o que Deus quer de nós – quer solicitude. Advinda do latim Sollicitare (“agitar, excitar”, de sollus, “inteiro, total”, mais citus, “rápido, presto”), a palavra solicitude significa cumprir da melhor forma possível um pedido ou uma solicitação» (PS, 9).
13. Nesse sentido, este serviço sacerdotal não é obrigação, mas é uma entrega solícita, uma doação. Se o fazemos somente por obrigação não somos nada mais que inúteis, pois o que caracteriza se o servo é bom não é se cumpre o trabalho, mas se o faz bem e com zelo, se faz de tudo para que seja de bom grado (cf. PS, 9).
CONCLUSÃO
12. Portanto,
caríssimos irmãos, para que nós possamos exercer o nosso ministério de forma
eficaz, é necessário que nós deixemo-nos guiar pelo Senhor. É necessário estar
próximo e caminhar juntos, pois, como vimos, é assim que manifesta-se a força
da Igreja.
13. Que
estas palavras sirvam para o crescimento espiritual e pastoral dos que lerem e
que Cristo nos conduza e nos persevere unidos.
In Cor Iesu, com estima,