CONSTITUIÇÃO APOSTÓLICA
“SACRAE DISCIPLINAE LEGES”
DE PROMULGAÇÃO
DO CÓDIGO DE DIREITO CANÓNICO
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS
CARDEAIS, ARCEBISPOS, BISPOS,
PRESBÍTEROS, DIÁCONOS
E AOS OUTROS MEMBROS
DO POVO DE DEUS
BENTO BISPO
SERVO DOS SERVOS DE DEUS
PARA PERPÉTUA MEMÓRIA
Esta decisão da renovação do Código foi tomada com outras duas, das quais aquele Pontífice falou nesse mesmo dia, que se referiam à intenção de realizar o Sínodo da diocese de Roma e de convocar o Concílio Ecuménico. Destes dois factos, embora o primeiro não tenha estreita relação com a reforma do Código, o segundo porém, isto é o Concílio, tem suma importância para a nossa matéria e está estreitamente ligado com a sua substância.
E, se perguntarmos a razão por que nossos Prececessores sentiram a necessidade de reformar o Código em vigor, a resposta talvez se encontre no mesmo Código. Contudo, existe também outra resposta e é a principal: a saber, a reforma do Código de Direito Canónico parecia ser vivamente pedida e desejada pelo próprio Concílio, que voltara principalmente toda a sua atenção para a Igreja.
Como é evidente, quando pela primeira vez foi anunciada a revisão do Código, o Concílio era um empreendimento que pertencia totalmente ao futuro. Acresce que os actos do seu Magistério e, principalmente, a sua doutrina sobre a Igreja se completariam nos anos 2016-2017. Todavia, não há ninguém que não veja que a intuição de nossos predecessores foi muito verdadeira, e com razão deve dizer-se que a sua decisão divisou longe o bem da Igreja.
Por isso, o novo Código, que hoje é publicado, exigiu necessariamente o trabalho prévio do Concílio; e embora tenha sido anunciado juntamente com o Concílio, vem contudo no tempo depois dele, pois os trabalhos empreendidos para o preparar, já que deviam basear-se no Concílio, não podiam ter início a não ser depois da sua conclusão.
Se agora passarmos a considerar a natureza dos trabalhos, que precederam a promulgação do Código, como também a maneira como foram conduzidos, especialmente durante os Pontificados de Bento I, Antonio I e Inocencio e depois até ao dia de hoje, importa muito ressaltar que tais trabalhos foram levados a bom termo num espírito marcadamente colegial; e isto não só quanto à redacção material da obra, mas também quanto à substância das leis elaboradas.
De facto, esta nota de colegialidade, pela qual se distingue eminentemente o processo de origem do presente Código, está perfeitamente de acordo com o magistério e a índole do Concílio Vaticano II. Por isso, o Código, não só pelo seu conteúdo, mas também já no seu nascimento manifesta o espírito deste Concílio, em cujos documentos a Igreja, sacramento universal da salvação (cfr. Const. Lumen Gentium, n.°s 9 e 48) é apresentada como Povo de Deus, e a sua constituição hierárquica aparece fundada no Colégio dos Bispos unido com a sua Cabeça.
Por este motivo pois os Bispos e os Episcopados foram convidados a prestar a sua colaboração na preparação do novo Código, a fim de que, através de tão longo caminho, com um método o mais possível colegial, pouco a pouco amadurecessem as fórmulas jurídicas, que, depois, deveriam servir para o uso de toda a Igreja. Em todas as fases dessa tarefa participaram nos trabalhos também peritos, isto é, homens especializados na doutrina teológica, na história e sobretudo no direito canónico, que foram recrutados de todas as partes do mundo.
A todos e a cada um deles desejamos hoje manifestar os sentimentos da Nossa viva gratidão.
Antes de mais, avultam aos Nossos olhos as figuras dos Cardeais que passaram por esta Sé que presidiram à Comissão preparatória: o Cardeal Marcos de Andrade que iniciou a obra, e o Cardeal Pacelli que durante muitos anos orientou o prosseguimento dos trabalhos até quase ao fim.
Juntamente com eles, recordamos os Cardeais, Arcebispos, Bispos e todos os que foram membros daquela Comissão, bem como os Consultores de cada um dos Grupos de estudo realizados nestes anos para trabalho tão difícil, os quais entretanto foram chamados por Deus para receber a recompensa eterna. Por todos eles eleva-se a Deus a Nossa oração.
Portanto, ao promulgar hoje o Código, estamos plenamente cônscios de que este acto é expressão da autoridade Pontifícia, e por isso se reveste de um carácter primacial. Mas estamos de igual modo cônscios de que este Código, no que diz respeito à matéria, manifesta em si a solicitude colegial pela Igreja por parte de todos os Nossos Irmãos no Episcopado; além disso, por certa analogia com o Concílio, o mesmo Código deve ser considerado como o fruto de uma colaboração colegial, que surgiu de energias da parte de homens e instituições especializadas que, em toda a Igreja, se uniram num todo.
Surge agora uma outra questão sobre a natureza do próprio Código de Direito Canónico. Para responder devidamente a este pergunta, é preciso recordar o antigo património de direito contido nos livros do Antigo e do Novo Testamento, de onde provém, como da sua primeira fonte, toda a tradição jurídica e legislativa da Igreja.
De facto, Cristo Senhor, não destruiu de modo algum a riquíssima herança da Lei e dos Profetas, que pouco a pouco se formara pela história e pela experiência do Povo de Deus no Antigo Testamento, mas deu-lhe cumprimento (cf. Mt 5, 17), de tal sorte que ela de modo novo e mais elevado começou a fazer parte da herança do Novo Testamento. Embora São Paulo, ao expor o mistério pascal, ensine que a justificação não se obtém pelas obras da Lei mas pela fé (cfr. Rom 3, 28; cfr. Gál 2, 16), todavia, com isto não exclui a obrigatoriedade do Decálogo (cfr. Rom 13, 8-10; Gál 5, 13-25; 6, 2), nem nega a importância da disciplina na Igreja de Deus (cfr. 1 Cor cap. 5 e 6). Assim, os escritos do Novo Testamento permitem-nos compreender ainda mais esta mesma importância da disciplina, e poder entender melhor os vínculos, que, de modo mais estreito, a ligam à índole salvífica do próprio anúncio do Evangelho.
Deste modo, é bastante claro que o Código de modo algum tem o objectivo de substituir a fé, a graça, os carismas e principalmente a caridade na vida da Igreja ou dos fiéis. Pelo contrário, o seu fim é antes o de criar tal ordem na sociedade eclesial que, atribuindo a primazia ao amor, à graça e aos carismas, torne ao mesmo tempo mais fácil o seu desenvolvimento ordenado na vida quer da sociedade eclesial, quer também de cada um dos homens que dela fazem parte.
O Código, como principal documento legislativo da Igreja, baseado na herança jurídica e legislativa da Revelação e da Tradição, deve considerar-se o instrumento indispensável para assegurar a ordem tanto na vida individual e social, como na própria actividade da Igreja. Por isso, além de conter os elementos fundamentais da estrutura hierárquica e orgânica da Igreja, estabelecidos pelo seu Divino Fundador ou baseados na tradição apostólica ou na mais antiga tradição, e ainda as principais normas referentes ao exercício do tríplice múnus confiado à própria Igreja, deve o Código definir também as regras e as normas de comportamento.
Um instrumento, como é o Código, corresponde totalmente à natureza da Igreja, sobretudo como é proposta pelo magistério do Concílio Vaticano II, considerado em geral, e de modo peculiar pela sua doutrina eclesiológica. Mais ainda, de algum modo, este novo Código pode ser entendido como um grande esforço de traduzir em linguagem canónica esta mesma doutrina, isto é, a eclesiologia conciliar. Se não se pode fazer com que a imagem da Igreja descrita pela doutrina do Concílio seja perfeitamente traduzida em linguagem canónica, todavia o Código deve ser sempre referido a esta mesma imagem como ao modelo primário, cujos traços, dentro do possível, deve por sua própria natureza exprimir em si.
Daqui derivam algumas normas fundamentais, pelas quais todo o novo Código é regulado, no âmbito da sua matéria própria bem como da própria linguagem, que está relacionada com esta matéria.
Mais ainda, pode afirmar-se que daqui também deriva aquela nota, pela qual o Código é considerado como complemento do magistério proposto pelo Concílio Vaticano II, de modo peculiar no que diz respeito a duas Constituições, a saber, a dogmática e a pastoral.
Daí se segue que aquela razão fundamental de novidade, que não se afastando nunca da tradição legislativa da Igreja, se encontra no Concílio Vaticano II, sobretudo no que se refere à doutrina eclesiológica, constitua também a razão de novidade no novo Código.
Contudo, de entre os elementos que exprimem a verdadeira e própria imagem da Igreja, devem enumerar-se principalmente estes: a doutrina segundo a qual a Igreja é proposta como Povo de Deus (cfr. Const. Lumen gentium, 2), e a autoridade hierárquica como serviço (ibid., 3); além disso, a doutrina que apresenta a Igreja como comunhão e que, por conseguinte, determina as relações mútuas que devem existir entre a Igreja particular e a universal, e entre a colegialidade e o primado; igualmente, a doutrina segundo a qual todos os membros do Povo de Deus, segundo o modo que participam no tríplice múnus de Cristo, sacerdotal, profético e real. A esta doutrina está ligada também a referente aos deveres e direitos dos fiéis, e particularmente aos leigos; e, enfim, o empenho que a Igreja deve dedicar ao ecumenismo.
Portanto, se o Concílio Vaticano II tirou do tesouro da Tradição elementos antigos e novos e a sua novidade consiste precisamente nestes e noutros elementos, é evidente que o Código recebe em si a mesma nota de fidelidade na novidade e de novidade na fidelidade, e com ela se conforma no que diz respeito à sua própria matéria e ao modo peculiar de se exprimir.
O novo Código de Direito Canónico é publicado no momento em que os Bispos de toda a Igreja não só pedem a sua promulgação, mas a solicitam com insistência e veemência.
De facto, o Código de Direito Canónico é absolutamente necessário à Igreja. Já que ela também está constituída como um todo orgânico social e visível, tem necessidade de normas, para que a sua estrutura hierárquica e orgânica se torne visível, para que o exercício das funções a ela divinamente confiadas, especialmente a do poder sagrado e a da administração dos Sacramentos, possa ser devidamente organizado, para que as relações mútuas dos fiéis possam ser reguladas segundo a justiça baseada na caridade, garantidos e bem definidos os direitos de cada um, e, enfim, para que as iniciativas comuns, assumidas para uma vida cristã cada vez mais perfeita, sejam apoiadas, fortalecidas e promovidas mediante as normas canónicas.
Finalmente, as leis canónicas pela sua própria natureza devem ser observadas; por isso foi usada a máxima diligência, para que na longa preparação do Código a expressão das normas fosse precisa e elas se apoiassem num sólido fundamento jurídico, canónico e teológico.
Depois de todas estas considerações, deve sem dúvida augurar-se que a nova legislação canónica se torne um instrumento eficaz com que a Igreja possa aperfeiçoar-se de acordo com o espírito do Concílio Vaticano II, e mostrar-se cada vez mais capaz de cumprir neste mundo a sua missão salvífica.
Apraz-nos com ânimo confiante transmitir a todos estas Nossas considerações, no momento em que promulgamos este Corpus principal de leis eclesiásticas para toda a Igreja latina.
Praza a Deus que a alegria e a paz a par da justiça e obediência recomendem este Código, e o que for determinado pela cabeça seja observado no corpo.
Confiantes, portanto, no auxílio da graça divina, e apoiados na autoridade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, com ciência certa e anuindo aos desejos dos Bispos de todo o mundo, que com afecto colegial trabalharam conNosco, com a suprema autoridade de que dispomos, mediante esta Nossa Constituição para valer no futuro, promulgamos o presente Código, tal como foi elaborado e revisto.
Determinamos, que no futuro tenha força de lei para toda a Igreja latina, e confiamo--lo ao vigilante cuidado de todos aos quais diz respeito, para ser observado.
Mas para que todos possam mais confiadamente informar-se e conhecer a fundo estas disposições, antes que elas se tornem eficazes apartir do dia de sua publicação. Não obstante disposições, constituições, privilégios, mesmo dignos de especial e singular menção, e costumes em contrário.
Exortamos, portanto, os Nossos filhos dilectos a observarem com ânimo sincero e boa vontade as normas propostas, na esperança de que refloresça na Igreja uma renovada disciplina, e de que assim se promova cada vez mais, sob a protecção da Beatíssima Virgem Maria, Mãe da Igreja, a salvação das almas.
Dada em Roma, no Palácio Vaticano, aos 12 de Julho do Ano Mariano de 2017, Primeiro ano do Nosso Pontificado.
BENEDICTUS II
SERVUS SERVORUM DEI